segunda-feira, 9 de junho de 2014

ANA

Ana tinha dezesseis anos quando decidiu cursar Cinema porque queria contar histórias. Porque queria dizer às pessoas o que ingenuamente julgasse ser verdade, sem perceber o quão impalpável era seu sonho. Escolheu ser artista porque não se preocupava em ter muito e porque só entendia a vida tecida pelo encantamento. Ana colecionava quimeras.

Ana desistiu de ser artista aos trinta anos. Mais ou menos na mesmo época em que o aluguel subiu, quando já tinha usado todas as suas roupas mais de trinta vezes, quando o tempero do restaurante da esquina se tornou enjoativo, quando se cansou de calçar os mesmos sapatos todos os dias, quando as contas em cima da mesa começaram a empilhar. As quimeras agora empoeiram junto da coleção de vinis, que Ana já não escuta por mera falta de tempo.

Ana tem quarenta e cinco anos, um apartamento mobiliado, um carro razoável, um closet e mais sapatos do que dias no mês. Ana tem um marido, dois filhos, passagens compradas para as férias na Disney e reserva num restaurante da Augusta para a comemoração das bodas de cristal. Ana tem tudo: casa, carro, mobília, família, uma conta no banco e, secretamente, uma pontinha de inveja da menina que era aos dezesseis.