sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

DESEJOS

Fim de ano é sempre a mesma história. Tem gente arrumando o armário. Tem gente fazendo simpatia. Tem gente fazendo planos e estabelecendo metas. Tem gente pensando em começar dieta, academia e aula de violão. Tem gente dizendo que os próximos dias serão totalmente diferentes dos 365 anteriores. Tem gente desejando paz, saúde, amor e prosperidade pra todo mundo sem sequer pensar sobre o significado de cada uma dessas palavras. Tem gente agradecendo o passado e tem gente pedindo o futuro. O tempo passa. Voa. Mas os meus desejos ainda são os mesmos... 



Que a vida continue me causando espanto, medo, surpresa e prazer. Que o injusto continue me indignando, e que a indignação continue me movendo em busca daquilo que acredito ser certo. Que o meu olhar se mantenha aceso. Que eu continue tendo efêmeras vontades de desistir, porque sou humana, mas que a fé me mova sempre até o fim. Que o caminho árduo nunca me faça ser tentada pelos falsos atalhos. Que, de um jeito ou de outro, a gente consiga viajar: no mapa, nos livros, nos sonhos ou no amor, que é o maior de todos os sonhos. Que sonhar não se torne, em hipótese alguma, tolice. E o melhor: que nenhum sonho jamais seja proibido. Que os planos saiam do papel e nos surpreendam por serem ainda mais bonitos do que pareciam ser quando ocupavam espaço apenas dentro de nós. Que a falta de tempo nunca nos impeça de embrulhar os presentes com papel celofane ou fita de cetim. Que os papeis de carta saiam da gaveta e ganhem letras, redondas ou tortas, que façam sentido quando combinadas pelo coração. Que o encontro nunca deixe de ser a opção mais viável. Que o maior confronto nunca deixe de ser o olho no olho. Que o amor seja finalmente eleito como o caminho mais curto para a real felicidade. Que os dias cinzentos sejam transformados em primavera. Que a gente caiba milimetricamente em um abraço, e que ele nos sirva de esconderijo quando o que está lá fora parecer perigoso demais. Que olhar pra trás jamais nos envergonhe. Que o amor de cinema continue sendo, no fundo, o sonho de cada um. Que declarações sejam feitas sem rodeios. Que as verdades sejam ditas. E que a vida esteja cada vez mais perto da poesia, até que vida e poesia sejam, por fim, inseparáveis. Amém.

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Obrigada a todos vocês, leitores, que me acompanharam em 2012. Vem muita poesia por aí no ano que vem. Feliz 2013!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

AS SEGUNDAS INTENÇÕES NA ERA VIRTUAL

Quando meus avós se conheceram, em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais que se chama Matutina e hoje tem menos de 4.000 habitantes (imagine na época dos meus avós!), as segundas intenções eram declaradas de uma maneira muito mais bonita. Você pode até acreditar que hoje em dia tudo acontece mais rapidamente e que segundas, terceiras e décimas intenções são explicitadas com menos pudor. Mas quer saber? Os homens da minha geração não são corajosos como na época do meu avô. Até concordo que as mulheres, no quesito “coragem para se declarar”, avançaram bastante. Enquanto minha avó apenas trocava olhares, as mulheres da minha geração vão à caça, quase que literalmente. Será muito precipitado dizer que o homem se transformou na presa da relação?

Minha mãe me conta que Matutina tinha apenas uma rua principal onde tudo acontecia. É claro que a palavra “tudo”, naquela época, representava bem menos do que nossa imaginação fértil e precocemente exposta a conteúdos eróticos é capaz de nos fazer pensar. E era nessa rua que os jovens da cidade, homens e mulheres, caminhavam de um lado para o outro até, no máximo, dez da noite. Se o rapaz gostasse da moça, eles tinham que se cruzar umas duas ou três vezes para que na quarta fosse estabelecido um primeiro contato verbal. Daí em diante, ficava em ambas as partes aquela ansiedade prolongada pelo próximo fim de semana de flerte.

Já na época dos meus pais, se um cara gostasse da menina, pediria o telefone. Mas é importante ressaltar: naquela época, pedia-se o telefone para ouvir a voz. Pedir o telefone tinha aquele gosto de expectativa para o dia seguinte. E o dia seguinte tinha gosto de espera. E o toque do telefone tinha gosto de ansiedade. E toda aquela magia que eu, mera mortal do século XXI e participante dessa bendita (bendita?) sociedade pós-moderna, pouco conhecerei.

Quase cinquenta anos depois do encontro entre meu avô e minha avó e uns vinte e poucos anos depois do encontro entre meus pais, muita coisa mudou. Mulheres também tomam iniciativa quando gostam de um cara, o que é ótimo. Os homens (e também as mulheres) continuam perguntando o nome, mas já não sei o quanto essa informação é relevante quando se trata apenas de uma “pegada casual”. Os homens continuam pedindo o número do telefone, mas o que sobra para o dia seguinte não passa de um torpedo no celular ou uma mensagem no facebook. O toque prolongado de ligação está praticamente morto: foi substituído pelo toque curto e seco dos torpedos. Não adianta a TIM estabelecer o simbólico valor de R$0,25 para ligações de TIM para TIM. Mesmo a operadora sendo a mesma, ele (quase) sempre vai preferir te convencer em uns 200 caracteres frios e impessoais. E é nesse ponto que eu quero tocar.

Em uma roda de amigas, deixo claro que a última coisa que eu quero é um namorado que me dê bom dia, boa tarde e boa noite por mensagem de texto. Todas se chocam. Uma das minhas amigas tenta me explicar que o objetivo da mensagem de texto é te deixar o dia todo em contato com o ser amado. E que é lindo quando o cara manda uma mensagem só pra dizer que está pensando em você. Posso ser sincera? A ideia de estar o dia todo em contato com o ser amado me causa enjoo independente de quem seja esse ser. E prefiro infinitamente ouvir uma voz máscula me dizendo que está pensando em mim e que ligou só por isso a ter aquela sensação de obrigação de apertar o botão “responder” e digitar o óbvio. Mensagens de texto dizem nada mais nada menos do que o óbvio, como “estou com saudades”, “estou pensando em você”, “te amo” ou “não vejo a hora de te encontrar”. Se fosse imprevisível, seria uma ligação. A voz do outro (ainda que dizendo esses mesmos clichês) assume uma imprevisibilidade deliciosa, talvez simplesmente porque tira nossa possibilidade de controlar o diálogo pensando mil vezes antes de digitar a resposta. Falar ao telefone é comprometer-se a responder sem pensar demais, é ouvir o que não foi previamente planejado, é correr o risco de não saber o que dizer, é escutar a respiração, é suportar os espaços vazios da conversa que precedem as respostas. Falar ao telefone é até mesmo estar em silêncio, sabendo apenas que o outro está do lado de lá. Falar ao telefone é entregar-se e apreender o outro por alguns minutos. Nenhuma mensagem de texto jamais cumprirá esse papel.

Diferente da época dos meus avós e dos meus pais, nos dias de hoje quase nada é combinado frente a frente, ao vivo e a cores, pessoalmente, olhos nos olhos. As conversas que precedem o encontro são mediadas pelo monitor, que inevitavelmente confere ao relacionamento incipiente um certo descompromisso. A impossibilidade de mergulhar na tela e abraçar nos priva de uma das formas mais antigas e mais sinceras de afeto.  A consciência de que tudo pode terminar a qualquer momento através unicamente de uma palavra escrita causa insegurança. A ausência da entonação pode fazer com que uma frase assuma dimensões jamais pensadas. A mediação da tela parece nos encorajar a dizer e fazer o que jamais diríamos ou faríamos pessoalmente. A eliminação de filtros como “boa educação” e “consideração com o próximo” faz com que nos sintamos capazes de ignorar ou mesmo soltar verdades doloridas demais sem qualquer eufemismo. Online, nunca temos tanto a perder.

Como se não bastasse, a mediação da tela traz para o mundo não virtual um estranho desconforto, como se a realidade já não fosse nossa casa. As paixões têm começado cada vez mais diante do monitor e, ao sermos expostos ao contato físico, recuamos. Desviamos o olhar. Fingimos não ver como se tivéssemos treze anos. O que está acontecendo com a gente?

É preciso muita coragem pra romper as barreiras que o mundo virtual constrói e, no lugar delas, construir uma ponte fisicamente transitável. É difícil substituir a troca de dados, de torpedos e de caracteres pela troca de olhares. Mas eu insisto em querer que os olhares se cruzem e que o celular toque prolongadamente.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

PELE, INSTINTO E POESIA

“Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida”

Vambora – Adriana Calcanhoto




Vem, seja você quem for. Vem, porque é por você que eu espero. Mas não peça licença, não bata na porta, não marque encontro comigo. Apareça quando eu estiver desprevenida. Seja diferente do princípio ao fim. Não me olhe como os outros. Me olhe como se nosso caso precedesse nosso encontro. Me olhe nos olhos antes mesmo de saber meu nome. Chegue perto e me livre dessa ordem que me aprisiona. Estou aqui, inteira e pronta e intensa, e me permito ser desnorteada. Peço pra ser desnorteada. Apareça e mude tudo de lugar. Seja minha insônia, minha loucura, meu descompasso e, sobretudo, minha liberdade. Seja tudo, menos o refrão que eu sei de cor. Seja a nota do contratempo. Me surpreenda, por favor, me surpreenda. Não me traga rosas e nem chocolates. Diga que me ama de mil outras maneiras. Venha antes da hora marcada e me pegue no colo de cabelo molhado. Me faça esquecer a rima, a regra e o verso. Vem sem protocolos. Segure meu braço de um jeito que me dê a certeza absoluta de que é você. E me olhe demorado. Silencie todos os meus receios. Me mostre o labirinto pra eu abandonar de vez a estrada em linha reta. Acenda o que em mim houver de melhor e de pior. E quando eu mostrar as pedras na mão, só me fale de amor. Cale a minha voz com sua boca. Encoste em mim de um jeito novo ao som de discos velhos. Acalme minha inquietude com seu corpo. Sejamos pele, instinto e poesia. E me envolva com seus braços como se o resto fosse realmente apenas o resto. Deixe que eu encontre todas as rotas possíveis dentro do seu abraço. Mas, antes de mais nada, entre por essa porta e diga que me adora.